sexta-feira, 10 de outubro de 2008

COISAS DE MINAS




Recordando... José Jaime Rocha Siqueira - Novembro/1993

Ocorreu-me agora o tempo de escola... “Xangaieiro”.
Não plagiando o Ministro Magri, mas se tivesse no Aurélio seria assim:
Xangaieiro – Aquele que depende do Xangai como meio de transporte. ( Nota do Autor: Xangai – trem de passageiros que faz o percurso de aproximadamente 50 km entre Matias Barbosa e Benfica, cidades da Zona da mata mineira. Por volta de 1960, era considerado o trem mais barato do mundo, R$1,00 (Hum Cruzeiro) o bilhete de primeira classe e R$0,50 (Cinqüenta Centavos) os de segunda, sendo, por isso, usado principalmente para o transporte de estudantes e trabalhadores.

A primeira, composta de vagões com bancos estofados de mola e couro, nas cores azul marinho ou cinza, cadeiras giratórias e reclináveis, janelas amplas e envidraçadas que, para abrir ou fechar, corriam suavemente, presas nas laterais em cabos de aço dentro de canaletas. Para proteger dos raios solares existiam cortinas de lona que baixavam ou subiam pelo mesmo processo. Os carros possuíam lindos lustres e ventiladores de teto, alem de “toillete” e sanitário.

Já a Segunda classe tinha os bancos e as janelas feitos de ripas paralelas de madeira de lei envernizadas.
A composição era formada por uma máquina “Maria Fumaça”, dois carros de primeira classe e dois de segunda classe.
Os horários de partida de Matias Barbosa eram: 05:18h, 10:20h, 18:00h. os quais eram cumpridos rigorosamente, quanto aos de chegada, variavam de acordo com o fluxo das composições de minério que transitavam pela mesma linha e representavam uma receita muito maior para a ferrovia.

As estações, com sua personalidade e o seu romantismo recebiam a composição sempre com a presença do chefe da mesma e a devida autorização para prosseguimento da viagem, que era entregue ao maquinista através de uma argola fixada na ponta de uma vara levantada até a altura da janela da máquina, onde o maquinista, com o trem em movimento, retirava o documento. O trem parava na estação e o chefe do trem descia para assistir o desembarque e o embarque dos passageiros. Após o embarque o chefe apitava e acenava uma pequena bandeira verde e amarela autorizando o prosseguimento da viagem. Após um apito o trem partia acelerando o ritmo, aumentando assim o barulho, o balanço e a emissão de fumaça e fagulhas, produto da queima do carvão que fervia a água formando o vapor e produzindo o movimento. As estações e paradas eram: Matias Barbosa, Cedofeita, Paradinha, Retiro, Juiz de Fora, Mariano Procópio e Benfica.

No percurso existiam três túneis, sendo dois pequenos e um bem maior. Um em Cedofeita, outro na Usina3 e o maior na chegada de Juiz de Fora. Normalmente o trem passava pelos túneis com a máquina em ponto morto, mas como o túnel da chegada de Juiz de Fora era maior e numa ligeira subida, muitas vezes o trem perdia muito a velocidade e o maquinista, por necessidade ou covardia funcionava a máquina soltando uma tremenda fumaça preta com resíduos de carvão, sujando os passageiros principalmente do último vagão, estragando assim o dia de muitos.

E assim, o tempo passava...
Com os companheiros dividíamos merendas, alegrias, tristezas, segredos, sucessos e derrotas, enfim, o dia a dia da vida. Todos se respeitavam independente de cor, sexo, idade, religião ou poder aquisitivo. Éramos uma grande família que seguia seu curso, enquanto o mundo girava e se transformava.

Começou a corrida do progresso. Em 1958 o planeta Marte já havia se aproximado ao máximo da terra e até discos voadores já eram vistos pelos mais afoitos, ou afortunados, como o Padre Wilson Vale da Costa, capelão militar e radialista, moderno demais para sua época, que usava um programa diário de rádio às 18:30 h para contar histórias de marcianos e de um disco voador que fazia viagens partindo do terreiro de sua casa, em São Matheus, um bairro de classe média de Juiz de Fora.

Brasília já era a nova capital de república, e, surgiu também a primeira linha regular de ônibus entre Matias Barbosa e Juiz de Fora. No princípio muito cara em relação ao trem, mas aos poucos foi caindo no costume dos mais afortunados, com uma série de justificativas, como: maior conforto, menos tempo de viagem, maior limpeza, etc... Com isso o romantismo e a “Família Xangai” chegaram ao fim de seus dias.

A “Maria Fumaça” foi substituída por uma locomotiva a diesel, os vagões de madeira por vagões de aço carbono, dos subúrbios do Rio, os horários ampliados. Na linha de ônibus, a jardineira Ford com escadinha na traseira, dando acesso ao bagageiro, também, foi substituída por um ônibus mais moderno, e, por incrível que pareça, até o nome “Viação Popular” mudou para “Viação Progresso”.

Interessante... tudo isso se instaurou quase sem a percepção do povo. A cidade cresceu, mas regrediu em cultura, calor humano, afeto, tempo...

Será que hoje alguém ainda se lembra?

“O Paraibuna rolando
Por entre pedras lodosas
Um canto vai entoando
Viva Matias Barbosa.

E a Capela do Rosário,
Lá do alto sobranceira
Lança de portas abertas
Graças pra Matias inteira.”

2 comentários:

Talma disse...

Quando eu era pequena, o comércio entre Brasil e Uruguai era feito através dos trens. Não raro a gente via algum passar rumo o Uruguai, levando consigo nossos pensamentos.
E pensar que o Collor, no seu afã por modernidade e por achar nossos carros umas 'carroças', acabou com as então já poucas estradas de ferro do Brasil.
Infelizmente eu nunca andei de trem. Ou melhor, até andei: na Madeira-Mamoré em Porto Velho, mas foi percurso de turismo, only.
Tempo mágico, não é?
E o que seria da vida sem isso?

Movimento RenoirLutero Livre disse...

Bela postagem!
Se não me engano, o Xangai ia até Chapéu D'uvas ou Ewbanck da Câmara. Viajei nestes trens na década de 1960, (1962-1963), entre estes lugares até Juiz de Fora, ainda na época da Maria Fumaça.